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Posted by William Volcov» on - - 0 comentários»

Apaixonei-me por uma portuguesa língua - tão senhora de si que senhora de mim: tão língua que descompõe mesmo os sujeitos mais compostos, que mata em verborragias. Língua. Palavra que se dissolve em palavras. (Des)feitos quadradinhos de açúcar na língua minguantes.

Chamas. E ela vem, vestida de palavras: devo despi-la, despudorá-la, muito em pouco; mas se é feita de palavras, eterno é o despir: em cada palavra sua uma iminência minha - eterna iminência é a paixão. E ela é toda assim: em minha mente eminente, porque quero as suas palavras mais íntimas: seu tão profundo que inalcançável.

Digo que a amo com palavras minhas, mas que, para ser sincera, não são minhas: tomei-as dela, engoli com a fome que o saudoso tem e ainda não me caíram bem - incomodam. Eis a única forma de tê-la inteira: palavra por palavra, fio a fio - confiam-se, mas desconfio: por trás das palavras espreitam outras delas, vendo o invendível.

Ela me tenta, e eu tento nela uma língua minha - mas é tão dela. Enfeito com metáforas o lugar-incomum onde com ela eu quero morar: no final das contas, sou só e somente os textos que escrevo - sou toda palavras tomadas ligadas em versos, versadas em valsas, tecido e botões. Apenas a pena.

Experimento, palavra e outra, sem nunca poder experimentar todas, mas elas não cabem em mim, embora eu caiba em muitas delas. Escrevo. E as palavras embriagam meus olhos que ora as tateiam carinhosamente, ora as violentam porque as querem inteiras - em tudo que elas podem dizer: são tão poucas, e tantas, que entre elas me perco e me encontro outra: uma outra ávida de compor armadilhas e, sobretudo, cair delas nelas.

Eu, crente que senhora das palavras, escrevo com a ponta firme do lápis e as palavras, senhoras de mim, caem como se aquarelas fossem: indomáveis, mesmo que me tentem e tentem me fazer pensar que não. Quero dominar a paixão que me domina: é sempre assim - e escrever é uma tentativa de evitar a falha, que por isso vem: a falha que é o buraco por onde se vê o que há entre as linhas, sob as linhas, nelas além delas mesmas.

(Minha paixão está eternamente em construção, até que se acabe).

Escrever é a melhor forma de libertar o que de si não conhece - o escrever não é preciso, é o precioso. É fazer uma realidade, em virtude de não se poder ter para si o real por inteiro além de consciências e linguagens; é desfazer-se em heresias artísticas: assassinar o real pela arte, viver a arte para sobreviver ao real - escrever é, a despeito da tendência brasileira de acomodar pelo discurso, incomodar pelo discurso.

Só escrevo porque, como não posso entregar minha paixão em mãos, entrego meu texto em vãos.